O Paradoxo Digital: Porque o Investimento Exclusivo no Digital é uma Estratégia de Alto Risco em Moçambique

O mercado publicitário moçambicano precisa acordar em 2026

Enquanto o mundo celebra a marca de 6 mil milhões de utilizadores de internet, uma análise mais atenta à realidade moçambicana revela um cenário drasticamente diferente. 

Dados recentes do relatório Digital 2025 e estatísticas globais de conectividade divulgado pelo site We Are Social, expõem uma verdade inconveniente para as empresas que apostam todas as fichas no digital: em Moçambique, a “revolução digital” ainda é um privilégio de poucos, tornando o investimento massivo neste setor uma potencial perda de receitas e uma estratégia propensa ao fracasso se não for equilibrada com os meios tradicionais (Televisão e Rádio).

1. O Abismo da Desconexão: Moçambique e o “Mundo Offline”

Fonte: datareportal.com

Os dados são claros e contundentes. Moçambique posiciona-se consistentemente entre os países com a maior percentagem de população “offline” (desconectada) do mundo.

  • A Realidade dos Números: Segundo as projeções para o início de 2026, a taxa de penetração da internet em Moçambique ronda apenas os 19,8% a 23%. Isto significa que uma esmagadora maioria — aproximadamente 80% da população (cerca de 28 milhões de pessoas) — vive, para todos os efeitos, fora do ecossistema digital.
  • O “8.º País”: O estudo refere um dado crítico que alinha Moçambique como o 8.º país do mundo em termos de população que vive “offline”. Esta métrica é devastadora para estratégias de marketing puramente digitais. Ao investir apenas no digital, uma empresa está, automaticamente, a ignorar 80% do seu mercado potencial.
  • A Ilusão do Crescimento: Embora haja um crescimento anual de utilizadores, a base é tão baixa que o “bolo” de consumidores digitais permanece pequeno. A infraestrutura limitada, o custo elevado dos dados móveis e a baixa literacia digital em zonas rurais criam um teto de vidro para o alcance das campanhas online.

2. A Estratégia Falhada: Porque o “Digital-First” é Perda de Receita em Moçambique?

Para uma empresa em Moçambique, replicar estratégias americanas, europeia e asiática de “transformação digital total” é um erro de cálculo financeiro.

  • ROI Negativo: O Custo de Aquisição de Cliente (CAC) no digital pode ser enganosamente baixo, mas o Valor de Vida do Cliente (LTV) é limitado pela fraca capacidade de compra e pela instabilidade da conexão dos poucos que estão online.
  • Saturação do Nicho: As empresas que investem no digital estão todas a lutar pelo mesmo 1/5 da população (os ~20% conectados), maioritariamente concentrados em Maputo e capitais provinciais. Isto cria um “oceano vermelho” de alta concorrência por um público reduzido, enquanto o vasto “oceano azul” da população desconectada é ignorado.
  • Efémero e Volátil: A presença digital em mercados com baixa conectividade é frágil. Uma falha de rede, um aumento no preço dos dados ou cortes de energia retiram instantaneamente a sua marca da vista do consumidor.

3. A Televisão: A Aposta Sólida (Presente e Futura)

Contrapondo a volatilidade do digital, a Televisão emerge não como uma relíquia do passado, mas como a fonte primária e mais fiável de informação e entretenimento para o moçambicano, com uma projeção de relevância a longo prazo.

  • Alcance e Confiança: A televisão possui uma capilaridade que a internet não consegue igualar. O consumo televisivo em Moçambique é muitas vezes coletivo (famílias e comunidades assistindo juntas), o que amplifica os números de “lares com TV”.
  • A “Praça Pública” de Informação: Num cenário de desinformação online (fake news) e burlas digitais, a televisão mantém a autoridade. Para a grande massa populacional, se “passou na TV”, é verdade. Esta credibilidade é um ativo valioso para marcas que procuram construir confiança a longo prazo.
  • Estabilidade do Investimento: Ao contrário dos algoritmos das redes sociais que mudam constantemente, a televisão oferece um modelo de entrega garantida. A estratégia de investir em TV garante que a mensagem chega ao público, independentemente de terem saldo de dados ou um smartphone de última geração ou um “bombinha”.

Conclusão

Os dados do Digital 2025 e a análise do ranking global de desconexão deixam um aviso sério: Moçambique não é a Europa nem a Ásia Conectada.

A estratégia vencedora para empresas em Moçambique não é o abandono do digital, mas o reconhecimento da sua posição como canal secundário. O investimento primário, para quem procura quota de mercado real e receitas sustentáveis, deve permanecer nos meios de massa que efetivamente atingem a população: a Televisão (e a Rádio).

Ignorar o facto de que Moçambique é um dos países mais “offline” do mundo não é inovação; é cegueira comercial.

O futuro, a longo prazo, pertence a quem souber comunicar com a maioria desconectada, e não apenas com a “elite digital”.

Por Leandro Pinheiro